sexta-feira, 22 de junho de 2018

Aprender a aprender é o melhor que se pode “ensinar”

Imagine que está numa sala com uma criança com quem tem um laço afetivo. A sala é ampla, desafogada, com janelas grandes que deixam passar uma luz abundante; tem uma escadaria encostada a uma das paredes e está decorada de forma moderna e minimalista onde, apesar disso, se sente confortável e em segurança.

Esta criança tem cerca de um ano de idade. Ainda não sabe andar, está a aprender. Já se consegue levantar e dar alguns passos, apoiando-se na mobília e nas paredes. Ouve barulho no exterior da sala e vê algo a passar numa das janelas; a sua atenção e o seu olhar desviam-se da criança por breves instantes. Quando regressam à sala, e à criança, vê que esta conseguiu subir até ao quarto degrau das escadas.

Pausemos a cena, como se tivéssemos um comando com a capacidade de parar a realidade. O que faz? Guarde para si a primeira resposta que lhe surgir, a que lhe apareceu de forma instintiva e espontânea. Posso adiantar-lhe que o que respondeu não está certo nem errado. Esta reflexão pretende revelar a sua tendência para um tipo de ajuda particular, que tem vantagens e desvantagens, tanto para si como para os outros; neste caso para a criança. Aliás, todos os tipos de ajuda podem ser benéficos e prejudiciais para quem está a ajudar e para quem é ajudado.

A resposta que obtenho com mais frequência é: “vou a correr o mais rápido que consiga, pego na criança e coloco-a no chão”. Instintivamente, esta aparenta ser a decisão mais acertada e adequada, dado o contexto, se o critério for o da maioria. Vejamos: o facto de ser uma criança coloca a situação num extremo, onde existe a presunção, presunçosamente fundada, de que temos mais capacidade para resolver aquela situação do que a criança. Por outro lado, não se podem obviar as interpretações decorrentes da análise do risco da situação: a criança pode magoar-se seriamente.

Julguemos este conjunto de juízos. Qual a real motivação para essa resposta à referida situação? Será evitar que a criança se magoe? Será diminuir ou eliminar o sentimento de culpa pela nossa desatenção? Para demonstrar o nosso poder? Para evitar o desconforto causado pela perspetiva de termos responsabilidade num “desfecho negativo”? Em última instância, por muito altruístas que sejamos, as respostas a estas hipóteses, talvez com a excepão da primeira, parecem dirigir-se ao próprio, ao adulto. Quais as vantagens para a criança? Não se magoa, com certeza. Pode ficar com um sentimento de segurança e de proteção provocado pela ação do adulto. Quais as desvantagens? Pode criar dependência (para alguns isto pode ser uma vantagem), pode ganhar medo da situação e, sobretudo, pode não aprender a descer escadas.

Num extremo oposto, ficar a observar pode ser uma maneira de responder à situação e de ajudar aquela criança. Desde que este “nada fazer” inclua a intenção consciente de estar a ajudar dessa forma. Esta posição implica, inevitavelmente, a consideração de outras leituras da realidade, pelo menos daquela situação particular. Implica também o acesso a outras perspetivas do que significa “ajudar”. Neste cenário, o risco de lesão da criança mantém-se e a presunção de maior capacidade por parte do adulto também. Acresce o processo necessário para ultrapassar o desconforto causado pelas nossas próprias interpretações e emoções. Vantagens? A criança pode ganhar mais autonomia; pode aprender, por ela própria, mesmo que se magoe, a avaliar a situação; em última instância, de forma literal, pode dar os passos necessários para começar a saber descer escadas. Para isto acontecer, contudo, terá de sentir que está a ser ajudada, mesmo que não seja pegada e colocada no chão em “segurança”.

Pode parecer que estou a defender esta última hipótese em detrimento da que explorámos primeiro. Não é o caso. Estamos a falar de extremos. Entre ambos existem muitas outras hipóteses: aproximarmo-nos; pegarmos nas mãos; numa mão, apenas; sem tocar, amparar um eventual tombo… Claro que as respostas poderão variar se se introduzirem variáveis na situação. Por exemplo, caso fosse um/a filho/a, se for o segundo ou terceiro as respostas poderão ser diferentes; se for uma criança com mais idade e que saiba já andar; se for um adulto; se temos ou não e qual o grau de ligação à criança…

Uma vez mais, não há respostas certas. O que será mais interessante passar-se a considerar a ideia que preconiza que não será a situação, em si, que tem de ditar as nossas respostas. É a interpretação da situação, onde se incluem as emoções, que condiciona as nossas ação e reação.

Quem tem a responsabilidade de liderar e de criar condições para a geração de uma cultura particular, terá de desenvolver sensibilidade e atenção particulares à forma como interpreta as situações; nomeadamente as que podem contribuir para o desenvolvimento dos outros. Todas as respostas, mesmo as não-respostas, serão passíveis de interpretação e terão vantagens e desvantagens, tanto para o próprio como para os outros.

Hoje em dia, no mundo do trabalho, cada vez mais as pessoas exigem ser tratadas com consideração, com respeito pelas suas capacidades, tanto as que já demonstram ter como as que ainda estarão por desenvolver. No fundo, pedem poder e protagonismo para que o sentimento de pertença a algo maior do que os próprios se possa instalar. Para o lado de quem lidera, há que dar espaço, tempo e os tais poder e protagonismo. Traduzindo para o “jargão empresarial”, há que delegar. Parece-me que há uma conceção errada em relação à delegação: não se delegam tarefas, delega-se responsabilidade. Portanto ao dar poder, estamos a abrir a possibilidade de os outros poderem errar e aprender com isso.

Aquilo a que chamamos coaching hoje em dia, no fundo, procura recuperar esta forma de ajudar: ajudar que os outros aprendem a aprender. Para mim, mais do que ferramentas, técnicas ou modelos, deixar esta mensagem é a principal função que coaching pode ter nas pessoas e nas organizações.

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