POR ANTÓNIO MATIAS COELHO
tEXTO FORNEÇIDO PELO MEU AMIGO vASCO oLIVEIRA
Muita gente pensa que Ribatejo é o distrito
de Santarém. Nada mais errado! Desde logo porque há concelhos do distrito de
Santarém que não fazem parte do Ribatejo; depois porque vários concelhos
ribatejanos não pertencem ao distrito de Santarém; e, sobretudo, porque o
Ribatejo não foi aqui, Tejo adentro, que nasceu, mas bem mais a jusante, na
margem esquerda do estuário, entre o ribeiro das Enguias e a ribeira de Coina –
as terras do concelho de Ribatejo, assim mesmo chamado, que teve remota
existência, nos séculos XIII e XIV. Só depois o nome Ribatejo migrou. Como
tanto de nós com ele.
O concelho de Ribatejo
No processo de formação de Portugal,
através das conquistas à moirama, iniciado no século XII, os nossos primeiros
reis confiaram às ordens militares extensíssimos territórios, sobretudo a sul
do Tejo, procurando desse modo garantir a sua defesa, o seu povoamento e o seu
aproveitamento económico. Assim, em 1186, tinha Portugal apenas meio século, D.
Sancho I doou à Ordem de Santiago, com sede em Palmela, uma imensidão que
abrangia toda a margem esquerda do Tejo, na zona do estuário.
Os freires de Santiago chamavam Chacoteca às
terras entre a ribeira de Lavre / rio Almansor e o ribeiro das Enguias. E às
terras entre o ribeiro das Enguias e a ribeira de Coina chamavam Riba
Tejo.
Limites aproximados do medieval concelho de Ribatejo
segundo António Gonçalves Ventura, A «Banda d’Além» e a Cidade de Lisboa (…),
[tese de doutoramento], 2007
Fernão Lopes, na sua Crónica d’El-rei D. Fernando,
referindo-se ao movimento de navios no estuário do Tejo, deixou-nos uma das
primeiras e mais belas referências às terras do Ribatejo medieval:
E portanto vinham de desvairadas partes
muitos navios a ella [Lisboa], em guisa que com aquelles que vinham de fóra e
com os que no reino havia jaziam muitas vezes ante a cidade quatrocentos e
quinhentos navios de carregação; e estavam á carga no rio de Sacavem e à ponta
do Montijo, da parte de Riba-Tejo, sessenta e setenta navios em
cada logar, carregando de sal e de vinhos [sublinhado meu].
O medieval concelho de Ribatejo, já
existente no século XIII, não era um concelho perfeito, dependendo da Mesa Mestral
da Ordem de Santiago da qual era comenda. Integrava duas freguesias – São
Lourenço de Alhos Vedros e Santa Maria de Sabonha – que acabariam, no século
XIV, por se autonomizar, formando dois concelhos novos em terras de Ribatejo.
Alhos Vedros, que abrangia o território
entre a ribeira de Coina e Sarilhos Pequenos, foi terra próspera por um período
longo, mas entraria em decadência no século XVI, dando origem aos concelhos do
Barreiro e da Moita – da Moita do Ribatejo.
O concelho de Santa Maria de Sabonha, cuja
sede se situava no atual lugar de S. Francisco (Alcochete), abrangia o restante
território de Ribatejo, ou seja, dos Sarilhos ao ribeiro das Enguias. Seria
desmembrado no século XV, dele resultando os concelhos de Alcochete e de Aldeia
Galega do Ribatejo, a atual cidade do Montijo. Aldeia Galega do
Ribatejo, sublinho!
Ocupando o território dos atuais concelhos
do Barreiro, da Moita, do Montijo e de Alcochete, da ribeira de Coina ao
ribeiro das Enguias, é este o Ribatejo primordial – vamos
chamar-lhe assim. É um Ribatejo com muito longa História, mais de 800 anos,
quase tantos como tem Portugal, do século XII até agora. Tudo o resto é uma
história de migração. E uma história muito recente.
Ribatejo, uma região migrante
Como o peixe que arriba, como os cagaréus,
varinos e avieiros que arribaram atrás dele, tudo migrou por este Tejo acima.
Ao contrário de outras regiões do país, possuidoras de matrizes identitárias
muito sólidas e territórios há muito tempo definidos, como é, por exemplo, o
caso do Algarve, o Ribatejo é uma região migrante. Progressivamente, por um
fenómeno que os geógrafos designam como de contágio, o Ribatejo foi
subindo o rio, já não apenas pela sua margem esquerda mas por ambas. E, ao
longo delas e às vezes mesmo um pouco afastadas, foram surgindo ou sendo
rebatizadas terras que trazem a palavra Ribatejo no nome por
que se conhecem: Alverca do Ribatejo, Castanheira do Ribatejo, Valada do
Ribatejo, Glória do Ribatejo, Benfica do Ribatejo, Azinhaga do Ribatejo, Praia
do Ribatejo…
Como se vê, o Ribatejo está longe, muito
longe, de coincidir com o distrito de Santarém.
Ainda nas primeiras décadas do século XX,
há menos de um século portanto, todo este território da Borda d’Água onde
vivemos nós hoje pertencia à Estremadura, a mesma tradicional região que
integrava Lisboa e o Oeste. Por esse motivo, o jornal fundado por João Arruda,
que desde 1891 se publicava em Santarém, chamava-se Correio da Extremadura,
só tendo mudado a designação para Correio do Ribatejo em 1945,
após a reforma administrativa operada pelo Estado Novo. Tudo isto foi,
historicamente, há muito pouco tempo…
O Ribatejo do Estado Novo
Em 1936 o Estado Novo procedeu a uma
profunda reorganização do mapa administrativo do país. Esse processo levou à
criação da província do Ribatejo, com capital em Santarém. O mapa de Portugal,
que os mais velhos de nós conheceram na escola primária antes do 25 de Abril (e
do qual tínhamos de saber tantas coisas de cor), demarcou um novo Ribatejo. E
marcou-nos a nós, ribatejanos, de uma forma bem vincada. Mas, já então, a nova
província não coincidia com o distrito de Santarém.
De facto, o Ribatejo incluía os concelhos
da Azambuja e de Vila Franca – que, convenhamos, alguém duvida que sejam
ribatejanos? –, pertencentes ao distrito de Lisboa. E o da Ponte de Sor, do
distrito de Portalegre, o que faz algum sentido se pensarmos na forma de
colonização interna das suas terras de charneca, na segunda metade do século
XIX, muito semelhante à que se praticou nos concelhos da margem esquerda do
Tejo: no da Ponte de Sor nasceram os Foros do Arrão, como, afinal não muito
longe, surgiram os Foros da Branca (Coruche), os Foros de Almada (Benavente),
os Foros de Salvaterra ou os Foros de Benfica.
Mapa do Projecto GeoRibatejo [http://www.georibatejo.org], elaborado segundo a reforma administrativa de 1936
De fora do Ribatejo o Estado Novo deixou dois concelhos
do distrito de Santarém: o de Mação, integrado na Beira Baixa e o de Ourém,
considerado da Beira Litoral. E deixou também de fora os ribatejanos concelhos
de Alcochete, Montijo, Moita e Barreiro – ou seja, o Ribatejo
primordial… A ribeira das Enguias que, no século XII e nos seguintes, por
muito tempo, era onde o Ribatejo começava, passou a ser a estrema onde o
Ribatejo termina…
Não termina, não… Mesmo quem pensa que
Ribatejo é só lezíria, cavalos e toiros, campinos e forcados há de convir que
os mais marcantes ícones com que o Estado Novo pretendeu sintetizar o Ribatejo
– o barrete verde e o colete encarnado – têm as suas conhecidas e populares festas
fora do distrito de Santarém: o Colete
Encarnado é cartaz de Vila Franca e o Barrete Verde da
vila de Alcochete!
O Ribatejo é, sem dúvida, a mais dinâmica
das regiões portuguesas. Medieval na sua origem, migrou e estendeu-se Tejo
arriba. Nos tempos de Salazar foi elevado a província, mas deixou de fora a
génese de onde veio. Após o 25 de Abril, com a Constituição de 1976, as
províncias foram extintas. O Ribatejo, como foi delimitado em 1936 e nos
ensinaram na escola, durou apenas 40 anos. E hoje, enquanto entidade
administrativa, o Ribatejo não existe. Mas existe dentro de nós que somos
ribatejanos e ribatejanos nos sentimos.
É ribatejano. De Salvaterra, onde nasceu e cresceu. Da
Chamusca onde foi professor de História durante mais de 30 anos. Da Golegã,
onde vive há quase outros tantos. E de Constância, a que vem dedicando, há não
menos tempo, a sua atenção e o seu trabalho, nas áreas da história, da cultura,
do património, do turismo, da memória de Camões, da comunicação, da divulgação,
da promoção. É o criador do epíteto Constância, Vila Poema, lançado em 1990 e
que o tempo consagrou.
Excelente e mesmo Interessante... muito interessante; é a história resumida da nossa região!
Um orgulho. Mostrarei e divulgarei, sempre que seja possível e conveniente, este documento, em primeiro neste blogue e junto dos meus amigos, conhecidos e familiares.